Ontem foi dia Internacional do Autismo, eu tinha prometido falar do tema, mas não consegui. Talvez por acreditar que bater na tecla do problema seria mais do mesmo, sem levantar uma discussão realmente eficaz, talvez por não saber exatamente como tratar do assunto ou muito provavelmente por medo do tema.
Entretanto não queria deixar as idéias que eu tinha em mente totalmente esquecidas. Existem coisas que ficam acima de rótulos, existem pensamentos que independem de um nome para serem definidas e em alguns casos, saber o nome de algo sem ter a paciência suficiente para entender o que o nome quer dizer exatamente acaba sendo bastante perigoso.
Os místicos dizem que nomes tem poder. Eu sou cético, mas levo isso em consideração. Ao encontrarmos algo queremos saber sempre o nome e a partir deste ponto começamos uma observação mais atenta, buscando detalhes que possam ser associados a aquele nome. E sempre buscamos sentido nos nomes de coisas ou seres que acabamos descobrindo. O problema é que na grande maioria das vezes, esses nomes demoram um longo tempo para realmente fazerem sentido. Demora até que o conhecimento suficiente para entender o que realmente importa, e nesse meio tempo, ficamos com impressões erradas que podem ser perigosas.
As vezes criamos um mundo nosso, particular, onde acreditamos em coisas ou fazemos escolhas que só fazem sentido dentro daquela realidade criada. Totalmente maluca e irreal.
Pra quem não assistiu o filme Dançando no Escuro do Lars Von Trier, vale a pena ver. A música que dá nome ao post saiu desse filme, aliás concorreu ao Oscar, perdendo a estatueta para Bob Dylan. Bjork tem uma voz engraçada e canta músicas estranhas, já ouvi essa definição de muita gente, entretanto gosto muito de suas músicas, seu experimentalismo me cativa. No caso das músicas do filme, ela ganha um ponto a mais porque além de escrever as músicas, ainda interpretou com extrema competência a personagem Selma.
No filme, Selma é uma imigrante tcheca nos EUA de 1964, período de Guerra Fria. Trabalha numa fábrica e sofre de uma doença degenerativa que vai pouco tomando a sua visão. Todo o dinheiro que consegue juntar é guardado para bancar uma cirurgia que impeça seu filho de sofrer do mesmo mal, enquanto ela cada dia enxerga menos.
As músicas de Bjork vão costurando a história e mostram como a personagem consegue sobreviver nesse sistema doloroso, a partir dos sonhos e de uma realidade que ela própria criou. A forma como ela acredita que outros também deveriam ser justos acaba custando caro para ela, mas falar disso seria como contar a parte mais interessante do filme.
Vale a pena, entretanto, lembrar que Selma vive focada num único ponto. O que a mantém “viva” é a necessidade de conseguir uma forma de juntar o dinheiro para curar o seu filho. Seu mundo é apenas isso. Viver fechado num mundo muito restrito pode ser fácil até determinado ponto, afinal tudo parece estar ao alcance das mãos, entretanto, pode também ser muito doloroso, porque nesse caso você acaba se sentindo estranho em qualquer lugar ou situação que não faça parte do seu repertório restrito.
Esse é o grande risco dos nomes. Podem fechar quem os tem dentro de casulos impenetráveis. Podem limitar de tal forma que quem os recebe pode ficar preso nesse rótulo. É claro que é preciso sim saber do que se sofre, é preciso entender o que acontece com a gente, mas mais importante que isso, é necessário saber os limites reais e em que aspecto cada rótulo nos cabe. Assim como uma criança que demore a aprender matemática não pode ser considerada burra, uma que aprenda música muito jovem e demonstre talento não deve ser vista como genial. Ambos são apenas indivíduos com características próprias e os limites de cada rótulo devem ser sempre ajustados a cada um. Cada pessoa é de um jeito.
Até porque sempre surge alguma variável nova que pode modificar tudo aquilo que você acredita. É preciso ficar aberto a isso e perceber que mudanças existem, porque você com certeza ainda não viu tudo o que existe. Se viu, infelizmente tem um problema, se viu tudo, já não existe mais nada para ver, como bem disse Bjork.