I’ve Seen it All – Bjork

3 04 2011

Não faça de rótulos uma prisão

 

Ontem foi dia Internacional do Autismo, eu tinha prometido falar do tema, mas não consegui. Talvez por acreditar que bater na tecla do problema seria mais do mesmo, sem levantar uma discussão realmente eficaz, talvez por não saber exatamente como tratar do assunto ou muito provavelmente por medo do tema.

Entretanto não queria deixar as idéias que eu tinha em mente totalmente esquecidas. Existem coisas que ficam acima de rótulos, existem pensamentos que independem de um nome para serem definidas e em alguns casos, saber o nome de algo sem ter a paciência suficiente para entender o que o nome quer dizer exatamente acaba sendo bastante perigoso.

Os místicos dizem que nomes tem poder. Eu sou cético, mas levo isso em consideração. Ao encontrarmos algo queremos saber sempre o nome e a partir deste ponto começamos uma observação mais atenta, buscando detalhes que possam ser associados a aquele nome. E sempre buscamos sentido nos nomes de coisas ou seres que acabamos descobrindo. O problema é que na grande maioria das vezes, esses nomes demoram um longo tempo para realmente fazerem sentido. Demora até que o conhecimento suficiente para entender o que realmente importa, e nesse meio tempo, ficamos com impressões erradas que podem ser perigosas.

As vezes criamos um mundo nosso, particular, onde acreditamos em coisas ou fazemos escolhas que só fazem sentido dentro daquela realidade criada. Totalmente maluca e irreal.

Pra quem não assistiu o filme Dançando no Escuro do Lars Von Trier, vale a pena ver. A música que dá nome ao post saiu desse filme, aliás concorreu ao Oscar, perdendo a estatueta para Bob Dylan. Bjork tem uma voz engraçada e canta músicas estranhas, já ouvi essa definição de muita gente, entretanto gosto muito de suas músicas, seu experimentalismo me cativa. No caso das músicas do filme, ela ganha um ponto a mais porque além de escrever as músicas, ainda interpretou com extrema competência a personagem Selma.

No filme, Selma é uma imigrante tcheca nos EUA de 1964, período de Guerra Fria. Trabalha numa fábrica e sofre de uma doença degenerativa que vai pouco tomando a sua visão. Todo o dinheiro que consegue juntar é guardado para bancar uma cirurgia que impeça seu filho de sofrer do mesmo mal, enquanto ela cada dia enxerga menos.

As músicas de Bjork vão costurando a história e mostram como a personagem consegue sobreviver nesse sistema doloroso, a partir dos sonhos e de uma realidade que ela própria criou. A forma como ela acredita que outros também deveriam ser justos acaba custando caro para ela, mas falar disso seria como contar a parte mais interessante do filme.

Vale a pena, entretanto, lembrar que Selma vive focada num único ponto. O que a mantém “viva” é a necessidade de conseguir uma forma de juntar o dinheiro para curar o seu filho. Seu mundo é apenas isso. Viver fechado num mundo muito restrito pode ser fácil até determinado ponto, afinal tudo parece estar ao alcance das mãos, entretanto, pode também ser muito doloroso, porque nesse caso você acaba se sentindo estranho em qualquer lugar ou situação que não faça parte do seu repertório restrito.

Esse é o grande risco dos nomes. Podem fechar quem os tem dentro de casulos impenetráveis. Podem limitar de tal forma que quem os recebe pode ficar preso nesse rótulo. É claro que é preciso sim saber do que se sofre, é preciso entender o que acontece com a gente, mas mais importante que isso, é necessário saber os limites reais e em que aspecto cada rótulo nos cabe. Assim como uma criança que demore a aprender matemática não pode ser considerada burra, uma que aprenda música muito jovem e demonstre talento não deve ser vista como genial. Ambos são apenas indivíduos com características próprias e os limites de cada rótulo devem ser sempre ajustados a cada um. Cada pessoa é de um jeito.

Até porque sempre surge alguma variável nova que pode modificar tudo aquilo que você acredita. É preciso ficar aberto a isso e perceber que mudanças existem, porque você com certeza ainda não viu tudo o que existe. Se viu, infelizmente tem um problema, se viu tudo, já não existe mais nada para ver, como bem disse Bjork.

 





A Lista – Oswaldo Montenegro

20 07 2010

É triste perceber que em 35 anos de idade minha pele traz poucas ou quase nenhuma cicatriz

Sabe quando você encontra um livro que conversa com você mais do que seria interessante? Sabe quando você lê frases que dizem mais verdades sobre você do que está preparado pra escutar? Sabe quando você reconhece num personagem ficcional uma série de características que odeia em você mesmo e nunca teve coragem ou capacidade pra mudar? É assim que eu me sinto hoje.

Demorei dias pra ler um livro que deveria ser lido em no máximo 3 dias e isso com bastante preguiça, eu levei semanas. Não que a história fosse densa, profunda, a leitura pesada ou difícil. Foi só uma leitura que tocou em várias feridas que nunca se cicatrizaram. Em período de férias, mais tempo ainda pensando nessas coisas. Repensando a minha humilde insignificância.

E por que falar disso só hoje? Dois motivos, um é que hoje as ideias estão mais claras, dá pra falar disso, se é que me entendem. O outro motivo, menos trivial e mais prático, é que me pediram um texto sobre como eu estava me sentindo. Bom o texto é sobre uma foto que fiz de mim mesmo após terminar o livro, sentado no sofá e ouvindo Oswaldo Montenegro. Claro que não colocarei a foto aqui, preservo os leitores do show de horrores, mas acho que vale a pena falar dessas sensações.

Eu tinha acabado de terminar de ler Alta Fidelidade (agora quero comprar o DVD do filme) de Nick Hornby, deitado/sentado/largado no sofá da sala ouvindo Oswaldo Montenegro, enquanto olhava pro nada e pensava no livro que me deixou triste. Pra quem não conhece, vale um pequeno resumo bastante breve da obra, já que eu pretendo falar do livro por um bom tempo aqui no blog. A história gira em torno da vida sentimental e profissional de Rob Fleming, um homem até certo ponto fracassado no campo profissional e no pessoal e que tem manias de elaborar listas dos 5 mais pra tudo.

Por enquanto fica nisso. Até porque eu prometi falar do que eu estava sentindo, no que eu estava pensando. Eu estava pensando nas minhas listas. As sensações que eu tive relembrando as pessoas que marcaram a minha vida. Aliás, tudo isso porque este é justamente o tema do livro que eu estou escrevendo, as marcas que recebemos ao longo da vida. As nossas cicatrizes.

Sabe o que dói em mim hoje e me deixou pensativo? Perceber que eu nem tenho tantas cicatrizes assim. Um cara com 35 anos (como o Rob do livro) deveria ter bem mais gente em suas listas. Gente na lista de pessoas especiais, de amigos, de amores, de tristezas, de histórias, de conquistas, de derrotas. Acho que só a lista de medos e a de coisas a fazer é que são imensas.

A tristeza bate ao perceber e sentir que vivi pouco e nem vejo tanta perspectiva assim pra mudar isso. Eu não sei viver, não aprendi isso em toda a minha existência e aparentemente não vou aprender nunca. Porque por mais que eu pense, por mais que eu busque, por mais que eu tente fazer, não consigo descobrir o que exatamente eu busco, dessa forma, eu vivo entre dois  mundos distintos, um profissional onde sou confiante e até tenho um certo destaque no que faço, digamos que eu me garanta, mas em minha vida pessoal, na verdade na vida comum e normal que todo mundo leva, eu sou ainda um bebê recém-nascido. Que não consegue fazer as coisas básicas e por isso nem sabe exatamente onde está, o que quer fazer ou pior, o que deseja fazer.

Esse problema na vida pessoal detona também o lado profissional, enquanto não aprender a me tornar mais maduro pessoalmente não atingirei nenhum lugar também profissionalmente e, pior do que tudo isso, continuarei me sentindo triste, com medo e solitário.

Sei que vocês não estão vendo o retrato que fiz, mas ele trazia isso.  Trazia o meu desespero em perceber que consigo ser tão vazio e imbecil como Rob Fleming. Trazia o meu medo de diferentemente do personagem nunca amadurecer como deveria e justamente por isso, nunca chegar emocionalmente, socialmente ou em qualquer instância a lugar nenhum. Como tem sido até hoje em minha vida.

Meu medo eterno de não conseguir nunca chegar ao mínimo aceitável de ação e existência de uma pessoa é o que me faz ficar triste e muitas vezes desesperado quando percebo que sem o trabalho eu sou apenas um pedaço de carne vazio, que não consegue ser preenchido por nada. Alguém que mal consegue fazer uma lista minimamente aceitável acerca daquilo que viveu, justamente porque infelizmente nada viveu.





Fake Plastic Trees – Radiohead

18 04 2010

estar tão longe de casa faz todo o entorno parecer de plástico...

No último post eu comentei da força do twitter (que confesso preciso usar mais) e outros grupos sociais que faço uso (preciso aprender a usar de forma correta o facebook). Tudo em nome da comunicação rápida e precisa entre as pessoas. Na lista esqueci de falar de uma rede social bem divertida e que eu faço parte, o Skoob uma rede social que tem a leitura em sua base, gosto também do Last FM, que usa músicas, mas o problema do last FM é não ter achada um aplicativo bom pra blackberry, facilitaria muito atualizar meu perfil, eu raramente escuto música no PC.

Deixo de lado, entretanto as redes sociais para falar de outro aspecto da comunicação, aliás para falar da própria base da comunicação que é a linguagem. Existem diversas formas de se comunicar, sinais, desenhos, letras, signos diversos que podem ou não ser compreendidos por todo mundo. A língua, é claro, acaba sendo o principal modo de comunicação.

As pessoas se agrupam e se reconhecem pela língua. Já ouvi histórias de colegas no exterior. Pessoas que em algumas situações do nada ouviram um som peculiar, a língua falada aqui no Brasil, com sotaque de gente daqui e ficou desesperado pra saber de onde vinha o som. E quando encontraram brasileiros, sentiram-se como se tivessem encontrados irmãos. Uma sensação de proteção e proximidade estranha, mas compreensível. Afinal, se você era de São Paulo, o interior do Maranhão vai parecer muito mais próximo a você do que as pessoas que passam apressadas falando uma língua estranha em Praga.

Outro fator interessante dessa linha é que no geral as saudades se tornam parecidas. É o feijão, aquela música que você odiava e de repente passa a ser menos ruim, ela passa a ter um quê de saudade. E te reconforta ouvir. Se você odiava novela, ver uma cena tipicamente brasileira na TV vira algo que te aproxime do seu povo. E nessa, se formam grupos. As pessoas vão se juntando onde se encontram. Viram amigos, parentes, conselheiros.

Aqui em São Paulo temos um bairro japonês, um bairro coreano, comunidades judaicas, árabes, de diversas nações. Diferentemente de ser uma forma de segregação, já que salvo raros casos estas pessoas não se isolam do resto da sociedade.  Estes bairros funcionam como um refúgio, onde cada um pode encontrar um pouco de sua origem, falar a sua língua, cultivar as suas brincadeiras, sua música, sua comida e os seus. É uma forma de manter-se ainda parte do país de origem. O pior é quando nos sentimos assim incomunicáveis mesmo em nosso país, nossa cidade e em nosso grupo. Isso é comum e infelizmente dói mais ainda.

Imagino como deve ser duro sentir-se separado de tudo aquilo que lhe é mais caro. Ver-se sozinho num lugar onde as coisas até podem parecer ter algum sentido, mas infelizmente não são do jeito que seu povo faria ou que sua crença pede que seja feito. A Alegoria que faço disso é a de um animal preso num zoológico, ele está bem alimentado, tem certo espaço, até certo tipo de liberdade. Mas aquilo tudo que o cerca no fundo é falso. Não lhe pertence, as pedras do recinto não são iguais as da lagoa, as plantas não são as mesmas. A cor do céu é diferente e até os medos e riscos fazem falta.

Eu de certa forma me sinto um pouco assim perdido, os motivos são outros, mas entendo quando as coisas não parecem fazer sentido onde você está. A música Fake Plastic Trees do Radiohead (clique para ouvir) mostra como essas sensações falsas nos incomodam. Tudo parece falso, as flores não tem mais perfume e vivemos numa jaula que na verdade nos protege, pois tudo aquilo que está do lado de fora das grades, na verdade não nos pertence, não somos parte daquilo que vemos.Ai está uma música tão forte pra mim quanto o filme Rain Man

E a solução é prender-se aos pontos positivos do passado. Numa atitude meio autista e protetora. Onde se busca ouvir uma voz interna que fale a sua língua. Algo que se comunique com seu íntimo. Afinal, quem nunca se emocionou ao ouvir uma voz amiga num momento de solidão e desespero? Você sabe onde encontrar essas vozes? Sente falta delas?





Muros e Grades – Engenheiros do Hawaii

4 04 2010

nós criamos nossa própria prisão e jogamos a chave fora

No meu último post eu comecei a fazer uma leitura pessoal do filme Rain Man. Como escrevi, este é provavelmente o filme que mais me toca e talvez seja o filme que mais tem coisas que me tocam. No último post, eu tratei do fato de sentir-me usado em alguns momentos. Nada contra a necessidade do outro ser chamada a conversa principal. O problema é quando você percebe que a importância de sua existência reside no fato de você ser necessário em algum momento para o outro. Quando não está sendo necessário, muitas vezes sua presença sequer é tolerada. Eu de certa forma estou cortando esse tipo de contato da minha vida.

O de certa forma acontece justamente pelo tema do post de hoje. Algo que eu a uma semana tinha me proposto a escrever, mudei de ideia no meio do caminho e fiquei assim, sem saber se escrevia ou não por dias a fio. Talvez por tratar de assuntos mais pessoais do que eu gostaria, talvez por expor de direta demais alguns medos e sentimentos que eu tenho. Enfim, depois desse tempo todo remoendo, acabei decidindo ao menos dar uma pincelada no tema, da forma como eu conseguir tratar. Provavelmente isso sirva como forma de desabafo ou até como uma justificativa real para aqueles que eu simplesmente deixei de manter contato pelos motivos descritos no post anterior.

A música que eu escolhi é uma música dos Engenheiros do Hawaii, chamada Muros e Grades (clique para ouvir). A letra fala que o medo que sentimos acaba levando toda a nossa essência, nossos sonhos e desejos se perdem nessa disputa entre o medo e a vontade. Eu entendo bem isso, afinal, certamente nessa disputa entre medos e desejos, o medo está ganhando de goleada e a tempos. Meus medos mais banais definem de forma clara a forma como eu atuo em cada momento da minha vida.

Voltando ao filme, o personagem de Dustin Hoffman, acometido por comportamento autista, acaba agindo de forma parecida. Vive encarcerado em seu mundo. Tudo o que escapa de sua compreensão é visto como estímulo aversivo grave. É sentido como algo doloroso, um ataque a sua segurança. De certa forma é assim que eu vivo. Aliás, de certa forma não. De todas as formas possíveis e imagináveis.

Nesses tempos sombrios pra mim, eu tenho pensado muito em minhas atitudes. Percebo que me enclausurei numa prisão pessoal. Por opção e por incapacidade minha acabei sim me isolando do mundo. Até ai, nada demais nisso. Afinal, é preciso ser honesto, que mal existe nisso? Se foi uma opção pessoal, qual o drama da história? O drama reside na percepção tardia disso.

Sabe quando você fica grande parte de sua vida procurando algo e de repente percebe que não existe uma possibilidade real de atingir isso? É dessa forma que eu estou me sentindo agora. Pelo menos o personagem de Dustin Hoffman nunca se preocupou com o que faltava, apenas se prendia a aquilo que estava ao seu alcance em todos os momentos e refutava cada contato diferente.

Como qualquer pessoa normal, tem coisas que eu consigo fazer e tem coisas que eu não consigo. O que me incomoda é não conseguir fazer coisas extremamente simples socialmente falando. Ter um baita medo absurdo das pessoas, ter medo de situações sociais e me ver livre apenas quando estou produzindo algo que eu consiga entender (ou seja trabalho). Ir a uma festa chega a ser doloroso, ver um filme sem ter que relacioná-lo com algo que eu vá produzir depois é impossível, tudo tem que estar ligado a tudo e dessa forma eu acabo me vendo cercado por muros e grades dentro de um recinto que eu mesmo criei e me aceito. A vida só existe pra mim se fizer sentido. Isso não chega a ser ruim, também não é bom, isso é óbvio.

Conviver com essa limitação social é o problema, decidir se vale a pena aceitar viver dessa forma limitada é que torna a questão interessante. Eu juro que não sei até que ponto esse tipo de coisa vale a pena. Ter desejos e vontades que não compreendo e justamente por isso não consigo sanar é onde a coisa aperta. Entender o motivo que me leva a enjoar de determinadas situações comuns e me entregar facilmente a coisas que com certeza causam desgosto a maioria das pessoas parece ter explicação.

Explicação também surge para outro fato. Agora faz sentido a dificuldade que eu tenho de agir quando saio de minha zona de conforto profissional. Trabalhar sempre foi a parte fácil. Viver a impossível. Toda vez que eu tentei viver algo, me atrasei em todo o resto, pela simples incapacidade de entender o que exatamente é viver e sentir. Eu não sei ler sentimentos.

Por enquanto sigo no dilema, sem no entanto me irritar mais com isso. Sigo fazendo aquilo que eu sei fazer e provavelmente agora devo fugir mais ainda daquilo que não entendo. Como já disse diversas vezes, nada é para todos e entender e aceitar isso torna a nossa existência bem mais calma. Viver, trabalhar, sentir, falar, gritar, andar, existir, amar, odiar qualquer ação humana exige uma certa dose de habilidade individual, se você não possui essa habilidade, deve recolher-se a sua insignificância e não se martirizar por isso. Devemos nesse ponto ser como foi o personagem de Dustin Hoffman





Tento Entender – Otto

18 01 2010

As vezes criamos um personagem que nos protege do mundo exterior

Tento entender o que se passa nesse mundo que me cerca. Talvez essa frase seja a melhor forma de se definir Rorschach. O personagem obstinado em fazer valer um tipo de ideal de justiça que acredita. Meio maluco, o personagem transformou-se no maior temor dos bandidos do submundo, mesmo depois da proibição dos super-heróis. A música do Otto (Tento Entender – clique para ouvir) pra mim traduz a essência do personagem com todos os seus conflitos

Rorschach me encanta por ser o oposto total do Ozymandias, é alguém que defende suas ideias até o fim e que faz de si mesmo o responsável por levar essas ideias. Se tiver que se sacrificar pelo que acredita, ele fará isso. Eu penso de forma parecida. Acredito que é nossa a responsabilidade por nossos sonhos e se alguém tiver que sofrer para que um sonho meu se realize esse alguém sou eu.

A moral excessiva de Rorschach vem de dois eventos pesados ocorridos em sua vida. Primeiro a sua infância/adolescência, onde conviveu com sua mãe (até agora não entendi bem se ela era prostituta ou apenas digamos assim volúvel), sendo totalmente rejeitado. Já adulto e com a vida de herói iniciada. Ele investiga o sequestro de uma menina, crime que infelizmente termina de forma trágica e faz surgir a versão final e mais violenta do herói. Que não desiste do combate ao crime mesmo quando a atividade se torna ilegal.

Esse é um ponto interessante. Penso que a permanência de Rorschach no combate ao crime se deve a forma como ele passou a encarar a própria existência após esse crime. Walter Kovacs passou a ser a fantasia e Rorschach passou a ser o indivíduo. Aqui mais um paralelo com o mundo real. Quantas pessoas não esquecem quem realmente são e, por motivos diversos, passam a agir apenas em parte de sua vida? São profissionais que abrem mão da vida pessoal por não saberem lidar com elas. Profissionais em tempo integral. Atletas que não conseguem parar, artistas que só existem em sua obra, casais que só existem um no outro.

A anulação do lado Kovacs foi traumática e fácil de ser percebida. A elevação da face Rorschach parece até óbvio. Mas isso é ficção, me pergunto o motivo de fazermos isso tantas vezes também na vida real, com um motivo semelhante, como não temos maturidade suficiente para resolver determinados aspectos de nossa existência, simplesmente os deixamos de lado e damos ênfase para aquilo que fazemos com mais facilidade.

Num primeiro momento, pode até parecer interessante. A produção parece aumentar, nos tornamos realmente confiantes naquilo que fazemos bem. Mas e quando o lado frágil começa a fazer falta? Como retomar? Rorschach não viveu o suficiente para ter a oportunidade de retomar esse lado. Porém, nós vivemos. Saber lidar com isso é sempre complexo e doloroso.

Eu admito muitas vezes agir assim como Rorschach. Isso nos dois aspectos mais marcantes do personagem. Sim, deixo de lado alguns lados meus que não domino e parto com tudo para aquilo que é certo. Tenho medo de arriscar em campos que não tenho controle, por mais importante que isso acabe sendo pra minha vida. Fujo. Esse é o lado ruim.

O lado bom é a perseverança. Eu defendo meu senso de justiça e acredito sim que eu sou o responsável por aquilo que desejo ver acontecendo. Até existe acaso, mas eu tenho total responsabilidade pelo que minhas vontades causam ao mundo. A cena onde Rorschach é destruído pelo Doutor Manhattan deixa isso bem claro. Era contra seus princípios deixar o mundo iludido pelo sonho de Ozymandias, por mais que o resultado parecesse positivo, ele era contra matar milhares de pessoas inocentes e enganar todas as outras existentes no planeta.

Ai, vale a pena ressaltar que a discussão fica apenas num nível. Provavelmente Ozymandias se ache superior aos demais e por isso mais valioso. Eu me vejo como Rorschach, igual a todo mundo. Meu ideal não é melhor que o de ninguém. Existem regras e elas valem pra todo mundo, dentro delas eu luto por aquilo que acredito sendo eu o responsável total por isso. Digamos que alguns aspectos de minha vida sejam bastante semelhantes a escolha que Rorschach fez de manter-se na ativa mesmo sendo contra a lei. São pontos tão importantes dentro do que eu considero correto que coloco esses valores acima de tudo.

Quem não tem valores assim?