Sempre tem coisas que ficam martelando a cabeça da gente. Informações perdidas muitas vezes. Informações que ficam assim sem sentido até que de repente, por estalo passam a fazer sentido. Eu estava assim desde o carnaval, quando vi os filmes Invictus (pela enésima vez) e Incêndios (esse uma única vez e no cinema).
Ver os dois filmes causou um mal estar do qual eu não conseguia me livrar, um mal estar que sequer tinha alguma lógica pra mim. E de repente, no engarrafamento tudo passou a fazer sentido. Nada absurdo, apenas uma constatação até antiga, mas que voltou a navegar por meus pensamentos.
Os dois filmes falam de pessoas que de certa forma acharam que eram livres e não eram. Mandela, pelo menos no filme, aparentemente tinha mais noção de seu papel e sabia os limites da prisão em que estava. Os filhos de Narwal nem sabiam que estavam presos, descobriram isso enquanto conheciam a sua história.
Acontece que na verdade todos nós estamos presos. Sempre tem alguma coisa nos limitando. Sejam nossos medos, nossos dogmas, nossas crenças, nosso passado, qualquer coisa. Sempre tem alguma coisa que nos deixa ir apenas até determinado ponto. Quando conseguimos viver longe desses limites, ou livres da dor que eles nos causam temos a falsa sensação de liberdade e acreditamos que todos os nossos movimentos são definidos única e exclusivamente pela nossa vontade, ledo engano.
Nossas ações são definidas por aquilo que nos permitem ser. Como seres sociais, as regras sempre tosam algum ponto de liberdade e o que me incomoda nem é que isso ocorra, mas sim que esses limites muitas vezes aconteçam sem dor, sem percepção alguma de que existe uma parede bem diantes dos nossos olhos impedindo de dar o passo seguinte.
Trabalhamos por que gostamos ou por que a sociedade diz que isso deve ser feito? O conceito de família é tão bom quanto a sociedade prega? O que é valorado muitas vezes tem importância social e não pessoal, os nossos sonhos são delimitados pelo que a sociedade permite. Um garoto aqui no Brasil cresce sonhando ser jogador de futebol, nos Estados Unidos o sonho provavelmente será o de disputar a NFL ou NBA ou MLB.
Regras de etiqueta, definição de belo, roupas, filmes de sucesso, música da moda. Tudo isso é sim gosto pessoal, mas limitado socialmente, os padrões de qualidade quase todos são artificiais, sobra pouco espaço para o apenas eu gosto.
Fiquei pensando nisso ao ver tanto a postura de Mandela, que encarnou a postura de pai de um povo e líder que tinha que servir de exemplo, não se vendo livre nem para viver a própria vida, quanto ao ver a dor que os filhos de Narwal sentiram ao descobrirem o seu passado. Seus dogmas serviram de punição e eles quase cederam a dor que sentiram. Seu mundo criado ruiu e sem a proteção do muro imaginário, tudo pareceu mais real e até certo ponto letal. O mundo de repente se tornou menos humano e totalmente selvagem.
Manter a sanidade sem esses limites provavelmente é impossível. Até por isso a música do Seal, Crazy foi uma música que eu adorei ter ouvido nos anos 90. Fala de como a loucura pode nos levar a ter coragem pra vencer os limites que nos impomos e que a sociedade nos impõe. Só um louco pode ser livre e viver além das regras.
Conheço quem tenha tido uma posição digamos assim invejável, emprego relativamente estável, casa, possibilidade de família e tudo mais. E mesmo assim largou tudo para viver de acordo com os seus sonhos. Muita gente disse que quem fez isso “enlouqueceu”. Talvez tenha apenas vencido seus limites e tido a coragem e a estrutura pra sobreviver além daqueles limites que incomodam.
Aliás ai entra também uma discussão breve sobre felicidade. Só é feliz aquele que desconhece seus limites. Só se alegra quem não enxerga barreiras diante de seus olhos, seja por falta de coragem de enxergar os limites, seja por pura falta de vontade de arriscar mesmo. De certa forma a ignorância nos salva dando a falsa sensação de liberdade e nos protegendo de nossos verdadeiros anseios.
Você conhece bem seus limites? Sabe até onde pode ir? Tem medo de ir além? Se sente livre?