Crazy – Seal

23 03 2011

Os peixes só são livres porque não sabem que o aquário é sua prisão...

 

Sempre tem coisas que ficam martelando a cabeça da gente. Informações perdidas muitas vezes. Informações que ficam assim sem sentido até que de repente, por estalo passam a fazer sentido. Eu estava assim desde o carnaval, quando vi os filmes Invictus (pela enésima vez) e Incêndios (esse uma única vez e no cinema).

Ver os dois filmes causou um mal estar do qual eu não conseguia me livrar, um mal estar que sequer tinha alguma lógica pra mim. E de repente, no engarrafamento tudo passou a fazer sentido. Nada absurdo, apenas uma constatação até antiga, mas que voltou a navegar por meus pensamentos.

Os dois filmes falam de pessoas que de certa forma acharam que eram livres e não eram. Mandela, pelo menos no filme, aparentemente tinha mais noção de seu papel e sabia os limites da prisão em que estava. Os filhos de Narwal nem sabiam que estavam presos, descobriram isso enquanto conheciam a sua história.

Acontece que na verdade todos nós estamos presos. Sempre tem alguma coisa nos limitando. Sejam nossos medos, nossos dogmas, nossas crenças, nosso passado, qualquer coisa. Sempre tem alguma coisa que nos deixa ir apenas até determinado ponto. Quando conseguimos viver longe desses limites, ou livres da dor que eles nos causam temos a falsa sensação de liberdade e acreditamos que todos os nossos movimentos são definidos única e exclusivamente pela nossa vontade, ledo engano.

Nossas ações são definidas por aquilo que nos permitem ser. Como seres sociais, as regras sempre tosam algum ponto de liberdade e o que me incomoda nem é que isso ocorra, mas sim que esses limites muitas vezes aconteçam sem dor, sem percepção alguma de que existe uma parede bem diantes dos nossos olhos impedindo de dar o passo seguinte.

Trabalhamos por que gostamos ou por que a sociedade diz que isso deve ser feito? O conceito de família é tão bom quanto a sociedade prega? O que é valorado muitas vezes tem importância social e não pessoal, os nossos sonhos são delimitados pelo que a sociedade permite. Um garoto aqui no Brasil cresce sonhando ser jogador de futebol, nos Estados Unidos o sonho provavelmente será o de disputar a NFL ou NBA ou MLB.

Regras de etiqueta, definição de belo, roupas, filmes de sucesso, música da moda. Tudo isso é sim gosto pessoal, mas limitado socialmente, os padrões de qualidade quase todos são artificiais, sobra pouco espaço para o apenas eu gosto.

Fiquei pensando nisso ao ver tanto a postura de Mandela, que encarnou a postura de pai de um povo e líder que tinha que servir de exemplo, não se vendo livre nem para viver a própria vida, quanto ao ver a dor que os filhos de Narwal sentiram ao descobrirem o seu passado. Seus dogmas serviram de punição e eles quase cederam a dor que sentiram. Seu mundo criado ruiu e sem a proteção do muro imaginário, tudo pareceu mais real e até certo ponto letal. O mundo de repente se tornou menos humano e totalmente selvagem.

Manter a sanidade sem esses limites provavelmente é impossível. Até por isso a música do Seal, Crazy foi uma música que eu adorei ter ouvido nos anos 90. Fala de como a loucura pode nos levar a ter coragem pra vencer os limites que nos impomos e que a sociedade nos impõe. Só um louco pode ser livre e viver além das regras.

Conheço quem tenha tido uma posição digamos assim invejável, emprego relativamente estável, casa, possibilidade de família e tudo mais. E mesmo assim largou tudo para viver de acordo com os seus sonhos. Muita gente disse que quem fez isso “enlouqueceu”. Talvez tenha apenas vencido seus limites e tido a coragem e a estrutura pra sobreviver além daqueles limites que incomodam.

Aliás ai entra também uma discussão breve sobre felicidade. Só é feliz aquele que desconhece seus limites. Só se alegra quem não enxerga barreiras diante de seus olhos, seja por falta de coragem de enxergar os limites, seja por pura falta de vontade de arriscar mesmo. De certa forma a ignorância nos salva dando a falsa sensação de liberdade e nos protegendo de nossos verdadeiros anseios.

Você conhece bem seus limites? Sabe até onde pode ir? Tem medo de ir além? Se sente livre?

 





Jokerman – Bob Dylan

21 12 2009

As vezes só uma piada nos mantém a sanidade

 

Continuando a saga dos Watchmen, hoje falo do Comediante, Eddie Blake com certeza é o personagem que melhor encarna a preocupação da população que picha paredes com a frase Who Watches the Watchmen (traduzindo como algo parecido com quem vigia os vigilantes). Até a escolha de seu codinome é ácida. O tal senso de humor desse comediante é corrosivo e perigoso. A forma como ele vê o mundo funciona como uma caricatura de tudo o que acontece.

Partindo para uma linha mais popular de quadrinhos, alguns aspectos do Comediante lembram o Batman pós Cavaleiro das Trevas (lançado no mesmo ano, 1986). Uma tentativa de tentar criar um tipo de entretenimento mais adulto. O Comediante tem um quê de Batman e um quê de Coringa. O sarcasmo é forte, o riso apocalíptico escondido em seus comentários lembra bastante o palhaço do crime. A trilha sonora escolhida segue essa linha. O bardo Bob Dylan cantando Jokerman (clique aqui para ver e ouvir). Os versos parecem traduzir a mente tortuosa do Comediante. Alguém que conhece tão bem o lado obscuro da alma humana que se vale do sarcasmo para manter o que lhe resta de sanidade.

O único momento em que ele parece sucumbir ao peso que carrega e ao olhar questionador que tem do mundo. Quando visita seu antigo inimigo Moloch. O seu choro sincero e o aparente desespero (mais visíveis nos quadrinhos do que no filme) o tornam mais real e factível. Não diria mais humano, porque encaro o seu sarcasmo violento como uma leitura totalmente humana e válida da sociedade.

Ao rir da sociedade doente, o Comediante não está fazendo nada diferente do que fazer uma análise crítica também do mundo em que nós vivemos. Uma sociedade em que notícias como essa (clique para ler) aparecem. Alguém é atacado numa livraria sem qualquer motivo e sem ter tempo algum para reagir. Coisas de um mundo doente que me fazem acreditar mesmo que momentaneamente, numa frase do Comediante: “Nós os protegemos deles mesmos.”

Entrei em férias a poucos dias e tirando a minha famosa fobia social do centro da conversa, caminhei por alguns locais perto de casa. Fui ao mercado para ser mais exato. No caminho, fui hostilizado devido a camisa que eu vestia. E vendo o rosto das pessoas, percebia-se o medo estampado em alguns e o desejo de violência em outros, esperando que eu respondesse algo para que existisse na mente tacanha de alguns, motivo suficiente para se iniciar uma briga.

É nesse mundo pesado que estamos inseridos. Vale a pena viver nele? Esse é um questionamento maluco, mas que merece ser feito. Vale a pena existir num lugar assim tão opressivo? Vale a pena cuidar de um grupo para que ele não se mate? Vale a pena investir nosso esforço nisso?

A sensação que muitas vezes tenho é a de que só sendo meio pirado como o Comediante é para conseguir manter-se minimamente tranqüilo nessa nossa realidade torpe. Você tem que fazer aquilo que tem que ser feito e não se envolver emocionalmente com nada. Você observa gente que poderia fazer (falo de uma cena específica da história, quando você ver vai se lembrar) acaba se omitindo por motivos diversos.

Eu nesse contexto me sinto um completo inútil e assumo que não gosto de viver num lugar como esse. As opções pra pessoas que pensam como eu são duas. Desistir e abraçar o suicídio (ou a vida suicida que o Comediante de certa forma adotou) ou tentar mudar, o problema é descobrir como mudar  e principalmente o pior é descobrir que a maioria não quer que nada muda.